Começou ontem, dia 4 de Agosto, a Feira e Congresso da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA). Nela, os players de telecomunicações se reúnem e debatem sobre o cenário atual e o futuro do mercado. De acordo com a descrição oficial do evento, a feira "é referência nos debates sobre os rumos do mercado de TV por assinatura, com foco na inovação em serviços de vídeo. Destaque para novas tecnologias e soluções de distribuição de conteúdo como vídeo sob-demanda, IPTV, plataformas over-the-top (OTT), publicidade, satélites, TI, além das crescentes inovações na distribuição de conteúdos lineares e em alta definição".
Mas parece que nem todos os executivos que foram para a feira concordam com essa visão. E olha que nem vou falar sobre o quão amedrontados eles ficaram ao saber que a AT&T, empresa americana de telecom, planeja entrar no mercado nacional. Como se atrevem esses americanos virem competir conosco?
O caso aqui é outro e o buraco é bem mais embaixo: Whatsapp. O famoso zapzap mudou a maneira como conversamos. Hoje em dia todos estão conectados a todo instante, trocando fotos, vídeos, nudes e até ligando uns para os outros através do aplicativo e isso está dando bastante dor de cabeça para as empresas de telecom. Em especial para a Telefônica, dona da Vivo e da GVT. No primeiro dia da feira, Amos Genish, presidente da empresa, se posicionou contra a atuação do Whatsapp no Brasil e chegou a chamar o aplicativo de ilegal.
O WhatsApp é um serviço pirata e acho que as operadoras não deveriam fechar contratos com eles. Eles não respeitam as leis do Brasil. (...) O serviço de voz deles usa os nossos números de telefone. Nós pagamos R$ 4 bilhões de FISTEL. Eles não pagam nada. Isso está equivocado demais. É uma pena que as outras teles tenham aceitado trabalhar com eles.
A última frase é uma referência ao fato de que a Vivo é a única das grandes operadoras nacionais que não fez acordo de zero rating com o Whatsapp. Com o acordo, a operadora não desconta o uso do aplicativo da franquia do cliente.

O discurso é muito semelhante ao dos taxistas no caso do Uber: uma empresa - ou categoria - que já explora um serviço, encontra um novo concorrente nascido da inovação, esse concorrente cresce e se destaca ameaçando os players que já existem e, ao invés de se adaptar para o novo cenário, a empresa resolve brigar na justiça pelo seu direito inaliável ao protecionismo para manter seus clientes.
Há quantos anos já existem alternativas de ligações através da internet e grandes empresas que exploram o VOIP? Skype, Hangouts, Viber, Telegram e muitos outros já possuem aplicativos móveis que permitem ligações há anos. Por que o Whatsapp incomoda tanto? O que o Whatsapp tem de ilegal que os outros não tem? É difícil dizer, a não ser por ser o mais relevante dos serviços do tipo no mercado.
No fim das contas, o serviço prestado pelo Whatsapp é a troca de pacotes de dados entre seus clientes. Este serviço está regulamentado pelo Marco Civil da Internet. A empresa não atua como operadora e não possui infraestrutura de rede, logo a afirmação soa próxima do absurdo.
Amos também disse que o aplicativo não possui regras regulatórias no país, o que dificultaria o monitoramento de mensagens e abriria espaço para utilização em atividades ilegais. Como se ligação e SMS não pudessem ser utilizados para atividade ilegal também. Mas piora: segundo ele, a atuação do Whatsapp no Brasil poderia abrir precedente para a chegada de outras empresas semelhantes. Sério? Parece que ele não conhece o próprio portfólio de produtos, pois a Vono é uma empresa do Grupo GVT que também oferece o serviço de VoIP, assim como o Whatsapp.
No final das contas, ele afirmou que "não vai acontecer nunca uma parceria com o Whatsapp" e que "gostaria que outras operadoras acordassem rápido para não cooperar com uma empresa que vai contra as leis brasileiras".

Já José Felix, o presidente da América Móvil Brasil - a controladora da Claro - afirmou que "do ponto de vista da receita de SMS e de voz há um impacto" mas que não tem números para quantificar esse efeito. A Vivo possui um pacote de 15 SMS por mês, que custa R$ 3,90. No quadro abaixo, eu tenho alguns números que talvez possam ajudar um pouco a entender a história.

Essa é a mesma Vivo que possui planos de 2GB de dados, 150 minutos de voz e SMS ilimitado por R$ 169,99. Onde está a lógica? Nesse plano (sem contar o SMS ilimitado) o valor do Megabyte para os dados contratados sai a 8 centavos. Leia de novo: 8 centavos por Megabyte. Comparado com o preço cobrado no pacote de 15 SMS, é uma variação de mais de 21.000 %.
Então, respondendo aos executivos que não conseguem imaginar o impacto do Whatsapp na receita do SMS, ele reduz drasticamente o valor cobrado por mensagem pelas operadoras. Elas precisaram passar a ser competitivas para não perderem mercado e pararem de praticar um lucro obceno em cima de um produto já ultrapassado e limitado.